Mielite transversa aguda é um distúrbio neurológico, marcado por inflamação focal que, em geral, atravessa os dois lados da medula espinhal, uma das estruturas que compõem o sistema nervoso central (SNC). Situada no interior do canal vertebral (também chamado canal medular), a medula espinhal é constituída por feixes de fibras nervosas, que emergem de pequenos orifícios localizados entre as vértebras, e que se ramificam, a partir desse ponto, pelo corpo inteiro. Cabe a eles controlar os músculos e o movimento, bem como a sensibilidade ao toque.
Assim como o cérebro, a medula espinhal é composta por duas diferentes substâncias: uma de cor cinzenta com forma de borboleta no centro, e a outra de cor branca, ao redor da cinzenta. De um lado, na zona branca anterior, estão localizados os neurônios motores que estimulam o movimento. No outro, na zona posterior, estão os neurônios sensitivos, que transmitem informações do cérebro para os músculos esqueléticos e deles para o corpo todo.
As fibras nervosas, dentro e fora do cérebro, estão envolvidas por camadas de gordura (lipoproteína), que formam uma capa protetora – a bainha de mielina – cuja função é proteger e acelerar a condução dos impulsos elétricos pelas fibras nervosas do SNC. Quando a bainha de mielina está danificada, a condução dos sinais nervosos fica comprometida.
De modo geral, a mielite transversa integra um grupo heterogêneo de doenças inflamatórias, de início súbito e caráter autoimune, condição em que o próprio sistema imunológico ataca os nervos periféricos da medula espinhal, provocando dor, déficit motor, disfunção sensorial e alterações autonômicas no controle da bexiga, dos intestinos e na resposta sexual.
A mielite transversa pode acometer homens e mulheres, de qualquer idade, desde crianças pequenas até os idosos, indistintamente. Os picos de incidência ocorrem em dois momentos diferentes: entre 10 anos e 19 anos e, mais tarde, entre 30 e 39 anos.
Os sinais e sintomas da síndrome podem desenvolver-se de forma gradual ao longo de horas, dias ou semanas. Eles se manifestam a partir da região da medula comprometida pela lesão inflamatória. Acima desse local, as funções do órgão permanecem inalteradas.
Mielite transversa é uma doença monofásica, isto é, a pessoa costuma manifestar apenas um episódio ao longo da vida. Isso não impede, porém, que possam surgir episódios recorrentes depois de um quadro febril de gripe, resfriado ou gastroenterite, já superado o período de convalescença do processo inflamatório.
Em cerca de 60% dos casos, a mielite transversa é classificada como doença idiopática, isto é, de causa específica não identificada.
Os estudos têm revelado, entretanto, que nos outros 40%, a mielite transversa aguda ou subaguda pode estar associada a diferentes condições clínicas que promovem a ativação anormal do sistema imunológico.
Entre elas, vale destacar:
- Desordens do sistema autoimune – doenças inflamatórias autoimunes, como lúpus eritematoso sistêmico, a sarcoidose, a síndrome de Sjögren e a esclerodermia, entre outras, podem promover uma reação exagerada do sistema de defesa do organismo, que passa a produzir autoanticorpos que atingem os nervos da medula espinhal, provocando as manifestações clássicas da mielite transversa (comprometimento motor, da sensibilidade, do funcionamento da bexiga e dos intestinos e disfunção sexual);
- Doenças autoimunes de caráter desmielinizante – a mielite transversa pode ser a primeira manifestação da esclerose múltipla, doença em que o sistema de defesa destrói a capa de mielina que envolve os axônios dos nervos periféricos, o que retarda ou bloqueia completamente a transmissão dos impulsos nervosos. Ou, então, como acontece na neuromielite óptica (também conhecida por Doença de Devic) que, além dos danos causados pela perda da capa de mielina nos axônios, a inflamação pode afetar o nervo óptico, órgão essencial para visão, porque conduz as informações captadas pelos olhos ao cérebro. Seu mau funcionamento pode acelerar a perda da visão;
- Infecções de origem viral ou bacteriana – por via direta ou por resposta tardia do sistema imunológico, vírus como o herpes simples, o herpes zóster, o da varíola, o da zika, o citomegalovírus, o Epstein Barr e o HIV, assim como os vírus da hepatite B, caxumba, sarampo e rubéola podem provocar processos inflamatórios na medula espinhal associados à manifestação da mielite transversa. O mesmo pode ocorrer com as bactérias da tuberculose, tétano, difteria, gastroenterite e da pneumonia por micoplasma. É menos comum nas infecções por parasitas.
- Vacinas – embora sejam bastante raros, há relatos de ocorrência da síndrome associada à aplicação de vacinas, que passam a funcionar como gatilho dos quadros neurológicos ligados à mielite transversa. Exemplo disso ocorreu em 2020, no Reino Unido, com um voluntário que desenvolveu sintomas adversos semelhantes aos da mielite transversa. Ele participava dos testes, já na fase 3, da vacina experimental contra a covid-19, que está sendo desenvolvida pela Universidade Oxford em colaboração com o laboratório sueco AstraZeneca. Diante desse fato, os ensaios clínicos foram imediatamente interrompidos, procedimento padrão adotado sempre que ocorre alguma interferência desse tipo. Entretanto, tão logo o comitê internacional encarregado da análise concluiu que não havia relação de causa e efeito entre a vacina e os efeitos adversos apresentados, os testes da vacina recomeçaram;
- Doenças vasculares – anormalidades no suprimento e no retorno do sangue para os tecidos da medula espinhal.
A mielite transversa é uma doença que pode afetar um ou os dois lados do corpo. Os sintomas se manifestam imediatamente abaixo da área da medula comprometida pelo processo inflamatório ou por um trauma. Dependendo do tipo e localização dos sintomas, é possível definir o local da coluna em que ocorreu a lesão.
Existem sinais clássicos da mielite transversa. São eles:
1) Dor é queixa frequente. Os doentes se referem a uma dor aguda que começa nas costas, alcança a parte inferior do peito, circunda o tórax e o abdômen e irradia pelas pernas e braços;
2) Sensações anormais de dormência, formigamento, frio e queimação. Também pode ocorrer perda da sensibilidade ao toque e às mudanças de temperatura;
3) Espasticidade muscular: rigidez, aperto, contrações e espasmos da musculatura;
4) Fraqueza nas pernas e/ou nos braços que pode levar à paralisia parcial ou total dos membros;
5) Disfunção intestinal, urinária e sexual – dificuldade para controlar o funcionamento da bexiga e dos intestinos (urgência ou incontinência urinária e fecal), disfunção erétil e dificuldade de homens e mulheres para atingir o orgasmo;
6) Febre;
7) Insuficiência respiratória.
É importante registrar que pessoas expostas a mudanças drásticas no estilo de vida, como é o caso dos portadores de mielite transversa, podem desenvolver quadros graves de ansiedade e depressão, que demandam tratamento específico por especialistas.
A avaliação clínica e neurológica é fundamental para definir as características da doença e sua evolução. Existem dois exames de imagem – a ressonância magnética e a tomografia computadorizada da medula espinhal – que podem ajudar a esclarecer o diagnóstico. Da mesma forma, os resultados da análise do líquido cefalorraquidiano obtido por punção lombar e de alguns testes sanguíneos e sorológicos, são úteis para estabelecer o diagnóstico diferencial com outras doenças sistêmicas, achado fundamental para orientar o tratamento.
Não existe um esquema único para tratar a mielite transversa. Também ainda não existem ensaios clínicos que possam respaldar a opção terapêutica para determinado caso. Respeitadas as diferenças individuais, na suspeita da doença ativa, a proposta inicial é corrigir o distúrbio – quando e se possível – a fim de aliviar os sintomas e reverter o quadro.
Pode-se dizer, então, que o atendimento padrão para quem tem mielite transversa segue os seguintes passos:
- Indicação de corticoides intravenosos, em doses mais elevadas por três a cinco dias, seguidos da medicação por via oral, a fim de reduzir a inflamação da medula espinhal e estimular a reação do sistema imune;
- Plasmaférese – quando a resposta aos corticoides intravenosos e orais não foi satisfatória, a terapia de troca de plasma (plasmaférese) representa outro recurso terapêutico. Ela consiste na troca do plasma sanguíneo, ou seja, na remoção do fluido em que as células inflamatórias estão suspensas, para substituí-lo por outro com medicação adequada ao (medicamentos antivirais, antibióticos, anti-inflamatórios e antidepressivos).
- Medicamentos analgésicos contra a dor, sintoma comum na mielite transversa.
Pode-se dizer que o prognóstico da mielite transversa é imprevisível. A experiência clínica tem mostrado que a recuperação costuma ser lenta e, com frequência, parcial. De qualquer forma, a melhora do quadro é mais evidente nos três primeiros meses do tratamento.
Para as pessoas que se mostraram refratárias aos benefícios dos esquemas terapêuticos utilizados, e que continuam a apresentar infecção ativa na medula espinhal, pode ser indicado recorrer ao uso de drogas que atuam sobre o sistema imune, como os imunossupressores e a imunoglobulina.
Profissionais, como fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicoterapeutas e psicólogos podem ajudar muito a superar essa fase do tratamento. Infelizmente, a doença pode deixar sequelas.
Fonte: https://drauziovarella.uol.com.br/doencas-e-sintomas/mielite-transversa/
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